Novo Julgamento a Luz da Nova Lei de Improbidade Administrativa
AgInt no AREsp 2678635 / SP
I - Na origem, trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, objetivando a anulação do procedimento de inexigibilidade de licitação para contratação de apresentações musicais, além da condenação dos requeridos nas penas impostas pela Lei n. 8.429/92, em razão da prática de atos de improbidade administrativa, que causaram lesão ao erário. Na sentença, os pedido foram julgados procedentes. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida.
II - A modificação dos elementos constitutivos do próprio ato de improbidade administrativa (arts. 9º, 10 e 11) incide desde logo em todas as ações de improbidade em curso, seja quando se imputar uma conduta culposa (Tema n. 1.199 do STF) ou dolosa, conforme a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, vencido o eminente Min. Luiz Edson Fachin. Nesse passo, em ações de improbidade administrativa em curso, importa perquirir se houve a efetiva extinção da reprovabilidade da conduta ilícita ou não. Caso tenha ocorrido a extinção da reprovabilidade, a ação de improbidade deverá ser julgada improcedente, tendo em vista a aplicação retroativa das normas sancionatórias mais benéficas ao réu. Agora se a conduta continuar descrita na Lei n. 8.429/1992, deve-se aplicar a continuidade típico-normativa já que inaplicável a tipicidade cerrada aos casos sentenciados antes da vigência da Lei n. 14.230/2021.
III - Nesta perspectiva, infere-se que a conduta imputada à parte ré, consistente em frustrar a licitude do processo licitatório, permanece legalmente vedada com a edição da Lei n. 14.230/2021, posto que continua descrita na LIA, tanto no art. 10, VIII, como no art. 11, V. Nesse ponto, importa ressaltar que, para o adequado encaixe da conduta ao art. 10, VIII, da LIA, a novel legislação passou a exigir a comprovação da efetiva perda patrimonial para que esteja configurado o ato de improbidade, não bastando a presunção de dano (dano in re ipsa). Se não houver a efetiva perda patrimonial, a conduta poderá ser enquadrada como ato que atenta contra os princípios da administração pública na forma do art. 11, V, da LIA.
Logo, com a edição da Lei n. 14.230/2021, não houve extinção da reprovabilidade na esfera cível, pelo contrário, a conduta de frustrar o procedimento licitatório continua descrita na LIA, tanto no art. 10, VIII como art. 11, V. A esse respeito, destaco o seguinte julgado da Primeira Turma, de lavra do eminente Ministro Benedito Gonçalves que admitiu a continuidade típico-normativa e, por conseguinte, reconheceu que a condenação fundada no art. 11, caput, permanece hígida após a edição da Lei n. 14.230/2021, já que a conduta de frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de processo licitatório está prevista no inciso V do mesmo dispositivo legal. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.611.566/SC, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 29/5/2024; AREsp n. 1.417.207/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/9/2024, DJe de 19/9/2024.
IV - Por fim, é importante frisar que, com as alterações da Lei n. 14.230/2021 à LIA, passou-se a exigir a constatação do dolo específico na conduta perpetrada pelos réus para fins de configuração dos atos de improbidade previstos nos arts. 9º, 10 e 11, do mesmo diploma, consoante preceitua o §2º do art. 1º, da LIA.
"E, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal trazida no tema de repercussão geral supracitado [Tema 1199], é possível a aplicação desta inovação aos processos em curso, respeitando-se a coisa julgada". Nesse sentido: AREsp n. 1.894.813/DF, Ministro Teodoro Silva Santos, DJe de 6/8/2024. Significa dizer que "o agente perpetrador do fato ímprobo que viola os princípios administrativos, tipificando alguma das hipóteses legais, deverá ter visado fim ilícito, seja de ocultação de irregularidades, seja de obtenção de benefício indevido, não bastando a mera vontade de realizar ato em desconformidade com a lei, consoante enuncia o § 2º do art. 1º da LIA: "Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". Nesse sentido:
REsp n. 2.061.719/TO, Ministro Paulo Sérgio Domingues, DJe de 29/2/2024.
V - No caso em tela, observa-se que a conduta imputada aos réus consiste na dispensa indevida de licitação para a contratação de apresentações musicais. Ao apreciar a controvérsia, o Juízo de primeiro grau condenou os requeridos pela prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da Lei n. 8.429/92, em sua redação original, consoante consignado na sentença (fls. 1.584 - 1.614), sendo mantida integralmente pelo Tribunal de origem (fls. 2.179 - 2.192). Dessa forma, em razão do óbice imposto a esta Corte Superior pela Súmula n. 7/STJ, caberá ao Tribunal local a valoração do conjunto fático-probatório visando aferir se o caso em análise pode ser objeto de readequação ou continuidade típico-normativa, inclusive no que tange à apreciação da (in)existência do dolo específico e do efetivo dano ao erário exigidos pela novel legislação.
VI - Pontue-se que, no tocante à efetiva e comprovada perda patrimonial causada ao erário, incluída pela Lei n. 14.230/2021, esta poderá ser quantificável desde logo ou em liquidação futura, consoante autorizado pelo art. 18, caput e § 1º da LIA, conforme sedimentada jurisprudência desta Corte. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.219.314/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 31/12/2024. Ainda, sobreleva notar que as sanções a serem aplicadas dependerão do correto enquadramento da conduta. Isto é, se aplicado o princípio da continuidade típico-normativa, o órgão fracionário deverá ainda proceder à nova dosimetria das sanções aplicadas, de acordo com as alterações dadas pela Lei n. 14.230/2021. No mais, se o dolo específico não estiver evidenciado, deverá ocorrer a conversão da ação de improbidade em ação civil pública, nos termos do art. 17, § 16, da Lei n. 8.429/1992, que é aplicável ex lege pelo próprio magistrado, que deverá instar o Ministério Público a emendar a inicial. Portanto, diante do exposto acima, é de rigor o retorno dos autos ao Tribunal de origem para a realização de novo julgamento, de acordo com as alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 à LIA, naquilo em que for aplicável. Nesse sentido: EAREsp 1.748.130/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, julgado no dia 12/2/2025.
VII - Agravo interno improvido.
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